quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

BORBOLETA AZUL

A saudade acaba de voar sobre mim.
Como uma borboleta azul, de asas diáfanas,
ela acarinha suavemente os meus cabelos.

Finjo não perceber… Ela pousa nos meus ombros.
Caminha sobre a minha face… Olha nos meus olhos.
Angelical e plena de delicadezas, ela sorri para mim.

Toco nas suas asas, acaricio seu corpo, beijo-a.
Olho o azul do céu e, livremente, deixo-a voar…
Encantada e enternecida, agradeço-lhe pela dádiva.

Bem sei… Saudade vestida de borboleta azul é você!


Kátia Drummond

Foto: Sávio Drummond "terraceando"... 
Em busca do falco peregrinus e de borboletas azuis...

domingo, 26 de fevereiro de 2012


NO PORÃO DAS NOSSAS MENTES

Obrigado, deuses! Desculpe, "Deus"...
É que a vida continua e você é só um nome.
                                         (Sávio Drummond)

A morte não existe apenas por estar nos livros,
nem nos sonhos. Sequer nos nossos medos.
A morte real é bem diferente. É crua, nua, drástica!

É um monstro predestinado, invisível, inexorável.
Um carrasco cruel e sádico. Usurpador de almas!
Que engole a vida dos que se foram,
e, ainda pior, destrói a vida dos que ficam...
Vidas anônimas, restos desarmados de seres,
derrotados prisioneiros de tudo e de nada.
A orar, nos seus terços, as suas próprias solidões.
Viciados que ficam todos em saudades, como eu.

Ai deus meu, ai deus! Quem é você, afinal?
Apenas um nome no porão das nossas mentes.

Hoje, tão diferente daquele ser celestial e protetor.
Distante do arcanjo guardador dos meus primeiros sopros de fé.
O dono de tudo e de todos, desde a nossa origem ao nosso fim.
Capaz de atirar o meu viver às traças. Quando não, no fosso.
E imaginar que eu reservava, só para você, bem ao meu lado,
o melhor lugar naquele antigo banco da capela da escola!
Lembrar que eu era o anjinho mais fervoroso das suas procissões!

Ai deus meu, ai deus! Quem é você, afinal?
Apenas um nome no porão das nossas mentes.

O que você quer de mim, invisível senhor da eternidade?
Tirano a chicotear-me neste circo dos horrores...
E a sugar, sedento, o sangue dos meus delírios.
A deixar-me seminua, coberta de peles em trapos.
Carne morta-viva, onde desbotam alegrias e esperanças!

Ai deus meu, ai deus! Quem é você, afinal?
Apenas um nome no porão das nossas mentes.

Eu, esta inútil e tênue sombra do que me resta,
busco alumbrar-me o breu que me cega e sufoca.
Quero atravessar nuvens, alcançar luzes, navegar céus…
Quebraste-me as asas. Roubaste-me os voos.
Esgotaste-me as derradeiras lágrimas. Secaste-me a fonte.
Meu espelho revela-me o corpo exausto, murcho, esquálido.
E ninguém, nem você, será capaz de lamber minhas feridas!

Ai deus meu, ai deus! Quem é você, afinal?
Apenas um nome no porão das nossas mentes.

Vamos fazer um trato, oh invencível senhor do destino...
Devolva-me meu filho, e eu prometo-lhe, renovada, a minha fé.
O que restou de mim, confesso, eu mesma já nem sei.
Mas… No fundo do poço da minha alma ainda raiam flamas,
últimos lampejos vivos dos meus essenciais encantos de infante.
Do meu suave alvorecer que, em luto, ainda suspira e clama.

Ai deus meu, ai deus! Quem é você, afinal?
Apenas um nome no porão das nossas mentes.

E como não me pertence o dom de renascer das cinzas,
procuro um bom e racional motivo para não mais chorar.
Busco, nas entranhas do universo, a célula-mãe primordial.
Centelha divina, fonte das minhas vicejantes energias.
E dela, alimento-me. E com ela prossigo, cambaleante…
Ao enconto do organismo preexistente do maternal amor.

Ai deus meu, ai deus! Quem é você, afinal?
Apenas um nome no porão das nossas mentes.

Ou um impassível pai, desalmado e sem coração?


Kátia Drummond


Foto: Thom Lang / Corbis

domingo, 12 de fevereiro de 2012

CALVÁRIO

Inúteis prisioneiros, 
cada qual na sua sela
é coveiro de si mesmo.
Esboço da própria tela.

Barco sem vela nas vagas,
albatroz longe do mar...
Meras sombras desbotadas 
de um quadro por pintar.

Medos, apegos, saudades…
Correntes que nos enlaçam
e nos fazem serviçais
de teias que amordaçam.

Tomara um dia, ainda,
livres das vãs ilusões,
nós desatemos os nós 
das nossas próprias prisões.

E sigamos nossa senda
de migrante libertário…
Sem cavar as própria cova
a caminho do calvário.


Kátia Drummond

Foto: Angelo Cavalli/Corbis

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012


QUERÊNCIA

Se desejar é o querer dos sonhos,
hei de viver morrendo de desejos!...

E quando a minha mente, já exausta,
expulsar, de mim mesma, os meus delírios,
eu catarei, um a um, os meus martírios,
como quem colhe sonhos nos despejos.

E, de querência em querência, eu vou vivendo
das sombras dos meus últimos vicejos.


Kátia Drummond

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

CONVERSANDO COM O BEM-TE-VI

Um bem-te-vi cantou ao meu ouvido:
"A vida é bela, e não faz sentido
perder do sol a luz, a claridade.
Viver morrendo de tanta saudade!"

Eu respondi-lhe: Diga, meu amigo,
o que você faria se um bandido
ateasse fogo no teu belo ninho,
matasse o teu filhote-passarinho,
como quem chuta pedras no caminho...
Ferisse os seus irmãos com crueldade,
e te cortasse as asas, por maldade?

Cantou-me o bem-te-vi: "Ah, minha amiga,
agora entendo a dura realidade.
E entoo o sofrer e a orfandade
dos bem-te-vis, ao som desta cantiga.
Eu sei que face à dor que te fadiga,
que te corrói o corpo e suga a alma,
um coração de mãe jamais se acalma!"

Pois é, amiga mamãe-passarinho...
Ainda está vivo, e bem acolhidinho,
o filho que mataram e que era meu.
Pois coração de mãe, qual seja a sorte,
ama o seu filho... Mesmo após a morte.
E ressuscita a cria que morreu!


Kátia Drummond

Foto: Da internet. Autor ainda não identificado por mim.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A ESPERA

De tanto esperar-te, em dor imensa,
sem nada que provoque diferença,
faço do teu colar a minha guia.
Se um outro me oferece companhia,
eu finjo ignorar sua presença.
E muito mais do que qualquer um pensa,
corro pro cais do porto à tua espera,
e cravo-me no chão, qual faz a era,
que desafia aquele que a apara.
Em frente ao mar azul que nos separa,
palco do nosso adeus sem despedida,
das lágrimas salgadas da partida.

Ai estrelas… Ai lua… Ai firmamento…
Acorrentada no meu pensamento,
fingi por muito tempo acreditar
que ainda poderia me enganar,
e alimentar a minha esperança.
Mas… já não tenho os sonhos de criança!
Sequer consigo seguir os caminhos
por onde voam belos passarinhos...
Bem onde os bem-te-vis, dia após dia,
fazem-me a canora companhia.
Agora, da janela do edifício,
vivo a alimentar meu próprio vício
de buscar-te nos tempos de menino.
Ou nas asas do nosso "peregrino".

Ai oceano… Ai céu… Aí horizonte…
Por onde anda o meu amor distante?
Deste banzo mortal,  o que fazer?
Se já não sou dona do meu querer...
Se já perdi a conta da saudade...
E nem sei explicar esta vontade
que faz de mim escrava do meu eu,
encarcerada no meu próprio breu.
Olhar vidrado, alma amortecida,
procuro, em vão, trazer de volta à vida
o filho que do meu corpo nasceu…
E que em minha alma não morreu.


Kátia Drummond

Foto: Paul Souders/Corbis