DOS TEMPOS DOS GIRASSÓIS
Você ainda se lembra do tempo dos girassóis?
Ah… como eram lindos os nossos dourados girassóis!
E o nosso carcará, exímio comedor de melancias?
Guloso, ele até esquecia que era um ser carnívoro!
Lembra do nosso bem-te-vi, que apelidamos de Piupiu?
De tão dengoso, ele não queria voltar para o ninho.
E do filhotinho de saguis, do qual cuidamos, lembra?
Seus pais vieram, em bando, amorosamente buscá-lo.
Lembra das borboletas monarcas de asas diáfanas?
Elas nunca mais pousaram em meus cabelos…
E do nosso gatinho preto que amava saltar nas árvores?
Ele pensava que era um esperto e lépido macaquinho!
Lembra do nosso especial e mimoso morceguinho?
Ele vivia voando pela casa, e sempre dormia no meu bolso.
E do nosso sazonal e fiel falco peregrinus? Como esquecer?
A cada outonal inverno ele invadia os nossos corações!
Lembra do nosso pequenino e elegante cavalo-marinho?
Ele continua belo e vigilante, protegendo o nosso templo.
E a nossa saltitante rãzinha, noviça e verde como a relva?
Agora ela vive sobre um buda, banhando-se na cascatinha.
Lembra do peixinho, aquele comprado em um saco plástico?
A água secou, o saco murchou, o peixinho morreu.
E a nossa cigarra outonal, que não parava de cantar?
Ela desapareceu… Até parece que toda a natureza está morta!
Lembra dos nossos fugidios cães de guarda… Lembra?
Eles não guardavam nada, mas amavam brincar de esconder!
E dos nossos domingueiros passeios, em família, no ZOO?
Ai como desejávamos soltar daquelas grades todos os animais!
Lembra da palmeirinha que achamos, moribunda, em nossa rua?
Ela já não é tão alegre nem tão viçosa como antes.
E da nossa curiosa e engraçada "lenda do caminhão"?
Continuo perambulando pelas ruas, na beirada dos passeios.
Lembra daquelas nossas idas e vindas, das tantas voltas por aí?
Tudo porque ficávamos conversando e perdíamos os caminhos…
E o picolé que só existia na Pituba, pertinho de nossa casa?
O mais natural, o mais gostoso, o mais barato. Só você mesmo!
Lembra de quando madrugávamos para escrever nossos poemas?
As madrugadas ainda continuam… Mas os nossos versos não.
E as nossas caminhadas pela praia, sob luminosos raios de sol?
Ainda hoje vejo os nosso passos desenhados na areia…
E das festas, quando você cantava fazendo caras e bocas?
Ainda ouço você a dedilhar, enlevado, o seu contrabaixo.
Às vezes, nós descíamos a rua para comer acarajé. Lembra?
Nunca entendi porque você escolhia o insosso bolinho-de-estudante.
Sabe as nossas úmidas e deliciosas tortas de chocolate?
Desde que você daqui partiu, que eu perdi a nossa única receita.
Ah… e o magnífico pudim de tapioca feito com leite-de-coco?
Restou apenas uma sensação de suave sabor em minha boca.
Lembra a linda medalha, com vitral azulado, presente de aniversário?
Inexplicavelmente, quebrou bem na palma da minha mão!
Lembra da nossa, digo, da sua última morada, seu esquife?
Quase que eu deito ao seu lado e, entre as flores, sigo com você…
Lembra que juramos amor eterno e que nunca nos separaríamos?
O meu amor de mãe ainda resiste… Até que o sol se apague.
E quando o sol se apagar, bem sei, estarei ao teu lado novamente.
Sem mais viver de vãs recordações. Sem mais morrer de saudades.
Kátia Drummond
Foto: Ashley Cooper/Corbis
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