terça-feira, 8 de setembro de 2009


SERRA LEOA

Não alcanço respirar profundamente.
Faltam-me espaços na infinitude.
Por isso, e mais, e antes e depois,
os meus poemas bradam no universo.
Será que algures, não aqui, em tudo,
alguém está a escutar meus brados?

Ó eco seco e grave de mim mesma,
por que tu voltas sempre? De onde vens?
Vá, siga em frente... Pule os muros.
Rompa a barreira surda, além do som.
Rasgue este breu atroz que nos separa.
E dilacere os corações malditos.

Rufam tambores dentro do meu peito.
É ela, Serra Leoa, a pedir-me asilo.
Refulgente, esplendorosa, estoica.
Vejo-me nela, em imensas fagulhas.
Vejo-me nas sombras dos seus natimortos,
nas lágrimas gélidas dos seus órfãos.
No leite a escorrer no peito da mãe aflita.

Não esperem por mim, prados verdosos!
Mudei de rumo. Rasguei o solstício.
Estou a atravessar as águas do atlântico.
Em outro porto, esperam-me os aflitos.
Freetowm, Koidu, Bo, Kenema, Makeni...
Meu coração, chuvoso em lágrimas,
por certo está a ressurgir do caos.
O berço itinerante dos poetas nus.

Serra Leoa sangra nos meus versos!
É tempo de partir, subir a serra.
Na garganta, o feroz rugido das leoas.
Nas mãos, a tenacidade dos guerreiros.
No coração, a força fervorosa dos ateus.
Abre-me as portas, pois, filha de África!
Juntas, copuladas, brotaremos sonhos.
E, em ti, teu povo colherá flores e frutos!


Kátia Drummond
The Travelling Poet


Imagem: Stuart Freedman.
Boy in the resettlement camp for amputees. Makeni, Sierra Leone. 2004.

5 comentários:

Anônimo disse...

E dos tambores com som de versos sangrando, ouve-se o teu poema lá do alto desta serra africana, do topo de quem sobe uma nota porque o grito eleva sentimentos nobres. E faz-nos querer rasgar as camisas-de-força do não ver e não ouvir, para receber tuas palavras de peito aberto.

Kátia, com imensa admiração pela poetisa, mas sobretudo pelo ser humano que não se fecha em sua própria pele, e que sente com veias da humanidade o pulsar do mundo à margem das rouquidões.

Um abraço.

Katyuscia.

Poemas de Sótão e Porão II disse...

Querida Katyuscia,
Para além do amor e do prazer do belo, plena de sonhos e de encantamentos, ofereço-te-me em poema. E, aqui, confesso o quanto sou atraída e captada (raptada) pela tua delicada sensibilidade, teu espírito singelo, tua inteligência ávida e lúcida. Poeta da vida, revelo-te "em poesia" a minha alegria por conviver-te, e recebo-te plena de ternuras e delicadezas.

MEU POETA

Não era brasileiro, o meu poeta.
Não tinha tempo nem medida certa.
Sua alma rondava o mundo inteiro.
Qual sombra de oitizeiro, em meu jardim,
pairava invisível sobre mim.

Vinha de longe, atravessava os mares,
e desbravava o ronco do trovão.
Montado num unicórnio, qual gnomo,
meu príncipe encantado era assim:
as vezes menestrel, às vezes mudo.
Fantástico, irreal e absurdo,
cheirava à folha verde de alecrim.
Sublime, o meu poeta me encantava!
Ave de arribação, eu lhe buscava...
E em meu casulo lhe guardava, enfim.

Um dia, finalmente, um belo dia,
eu despertei da minha fantasia,
e vi o meu poeta em minha frente,
de carne e osso, igualzinho a mim.
Tão inocentemente tão bonito,
tão permanentemente tão presente,
que ao lhe sentir fluir tanta energia,
lhe transformei, imediatamente,
de meu poeta em minha poesia.

Katia Drummond

Anônimo disse...

Kátia Drummond, admirável Poetisa.

Muito, muito obrigada pela atenção e pela linda partilha!

A Literatura, através de ti, tem uma voz que dá as mãos a todas as formas de beleza, e a toda beleza em forma de gente(s). Essa voz é a que teu peito empresta, e as mãos são as mesmas com que esculpes versos como se do barro mais genuíno fossem feitas as palavras. Olhas o mundo com teu campo de visão que vai muito além das lentes de alcance físico. Tens olhos de enxergar o outro, e os outros cabem todos no teu poema.
Em ti, que amas tanto os teus, criando-os bem-alimentados no amor e na arte, a Poesia não comete egocentrismos, nem se encerra num estilo ou estética padronizada... Não! O teu eu-lírico é muitas vezes plural, e representa multidões.

Então, posso dizer que, além da honra de ter tua presença, fico imensamente encantada por encontrar na (tua) Literatura alimento para a humanidade com as palavras que a dizem, que a representam, que a fazem ser lida e sentida.

Abraço forte.

Katyuscia.

guru martins disse...

...em ti
Serre Leoa urge
em tua poesia
Serra Leoa ruge
e no túmulo
Carlos canta
por ser teu xará...

bj

guru martins disse...

...em ti
Serre Leoa urge
em tua poesia
Serra Leoa ruge
e no túmulo
Carlos canta
por ser teu xará...

bj