segunda-feira, 20 de julho de 2009


MAINHA

Quando eu era criança, ainda me lembro,
menina da rua, fugaz andorinha,
eu via os homens entrando e saindo.
Malditos ladrões... Perversos bandidos,
querendo prazeres. Todos mal vividos...
Em busca do corpo da minha mainha.
Na mesma alcova, bem onde eu dormia,
sem cama e coberta, deitada no chão.
No colo onde eu mesma jamais deitaria.
Na casa sombria que não era minha.

Alguns davam doces. E outros, brinquedos.
Pequenas bonecas vestidas de trapos.
E eu, curiosa, pensava comigo:
por que tantos homens entrando e saindo?
O que é que eles fazem? Parecem farrapos!
Às vezes ficava quietinha, espiando...
Nas pontas dos pés. Infeliz bailarina!
Sem mesmo saber que ali, do outro lado,
mainha traçava pra mim minha sina.

Aquela mulher, já exausta da lida,
chorava baixinho pra ninguém ouvir.
E eu já crescida, menina perdida,
fui vendo em meu corpo o preço da vida.
Odiei os homens! Desejei partir...
Pensei em tirar a mainha da luta.
Mas... ela me olhava e com raiva dizia,
gritando aos brados, no maior desdém:
"Se manda daqui! Vai, menina vadia.
Que filha de puta é puta também."


Kátia Drummond

Arte: Vincenzo Balocchi

2 comentários:

Anônimo disse...

Tia Kátia,

que lindo!!!!! Fiquei emocionada!!


Beijos,

Tate

Anônimo disse...

Kátia, quantas pessoas usam a arte, a literatura, a voz para falar, com este lado do coração e da consciência, acerca das nossas meninas, e vendo com menina-dos-olhos delas, "infelizes bailarinas na ponta dos pés", espiando seus destinos serem traçados na palma da mão de uma sociedade madrasta, que lhes rouba o brilho dos olhos!?!

Poetisa, na ponta dos pés, aplaudo-te...

Katyuscia.