domingo, 13 de setembro de 2009


MEU VERSO

Não sigo normas que sabotam a poesia.
Transgrido regras, leis gramaticais.
Rompo os grilhões que me amordaçam a língua.
E desaponto os que de mim esperam
preciosismos intelectuais.
Os que inventam versos, os que não criam.
Os que, acorrentados, não vadiam.
Impostores da frase e da expressão.
Os que maculam a alma do poeta.
Os que corrompem a língua da nação.

Meu verso vem da rua. Vem da praça.
Vem da criança esfomeada e nua.
Da adolescência triste, amortecida.
Meu verso vem da dor, vem da desgraça.
Do grito do mendigo na avenida.
Da mãe que chora a dor do filho morto.
Meu verso vem do povo, vem da vida.

Meu verso vem de pedro, de joão.
De lurdes, de joana, de maria.
Do bêbado cantando à luz do dia.
Do louco adormecido na calçada.
Vem do migrante, esperançoso e aflito.
Meu verso vem do coro dos sem-nada.
Daqueles que precisam do meu grito.

Meu verso vem dos negros, vem dos índios.
Do sertanejo, vem dos favelados.
Vem dos idosos, dos abandonados.
Dos que vagabundeiam, andarilhos.
Vem dos malditos, amaldiçoados.
Do maluco de rua, dos drogados.
Das putas, dos ladrões, dos maltrapilhos.

Não vem do intelecto. Vem da alma.
Não vem dos livros. Vem do coração.
Vem da evidência. Da intuição.
Do dia-a-dia. Da observação.
É simples. É comum. É verdadeiro.
Meu verso é a voz do povo brasileiro.
O BÊ-A-BÁ da língua popular.
Sem lei. Sem regras. Sem erudição.


Kátia Drummond
The Travelling Poet


Foto: Sheldan Collins.

terça-feira, 8 de setembro de 2009


SERRA LEOA

Não alcanço respirar profundamente.
Faltam-me espaços na infinitude.
Por isso, e mais, e antes e depois,
os meus poemas bradam no universo.
Será que algures, não aqui, em tudo,
alguém está a escutar meus brados?

Ó eco seco e grave de mim mesma,
por que tu voltas sempre? De onde vens?
Vá, siga em frente... Pule os muros.
Rompa a barreira surda, além do som.
Rasgue este breu atroz que nos separa.
E dilacere os corações malditos.

Rufam tambores dentro do meu peito.
É ela, Serra Leoa, a pedir-me asilo.
Refulgente, esplendorosa, estoica.
Vejo-me nela, em imensas fagulhas.
Vejo-me nas sombras dos seus natimortos,
nas lágrimas gélidas dos seus órfãos.
No leite a escorrer no peito da mãe aflita.

Não esperem por mim, prados verdosos!
Mudei de rumo. Rasguei o solstício.
Estou a atravessar as águas do atlântico.
Em outro porto, esperam-me os aflitos.
Freetowm, Koidu, Bo, Kenema, Makeni...
Meu coração, chuvoso em lágrimas,
por certo está a ressurgir do caos.
O berço itinerante dos poetas nus.

Serra Leoa sangra nos meus versos!
É tempo de partir, subir a serra.
Na garganta, o feroz rugido das leoas.
Nas mãos, a tenacidade dos guerreiros.
No coração, a força fervorosa dos ateus.
Abre-me as portas, pois, filha de África!
Juntas, copuladas, brotaremos sonhos.
E, em ti, teu povo colherá flores e frutos!


Kátia Drummond
The Travelling Poet


Imagem: Stuart Freedman.
Boy in the resettlement camp for amputees. Makeni, Sierra Leone. 2004.

sábado, 5 de setembro de 2009


EFÊMERA

Pensar-te em palavras, é muito pouco.
Mais ainda, em estrofes aceitar-te.
Em versos, abraçar-te, nem pensar!

Somente em utopias, como um louco,
em plena poesia posso amar-te.
Até que um outro surja em teu lugar.


Kátia Drummond

Imagem: Justin Hutchinson