segunda-feira, 20 de julho de 2009


CARTA DE ALFORRIA

Eu não queria carregar os meus poemas
com as minhas próprias mãos.
E levá-los, como o faço,
tímida e constrangida,
ao encontro dos homens.

Queria que os meus poemas voassem...
Leves, soltos, libertos por aí afora.
E, com suas próprias asas, atravessassem
o tempo, ganhassem o mundo.

Poemas atemporais que invadissem corações.

Por que será que os meus poemas,
cafuzos, mamelucos, mulatos, caboclos,
dependem tanto assim de mim?

Será que esses meus poemas
ainda vivem nas senzalas?

Tristes poemas cativos!
Nem percebem que têm o destino dos pássaros.


Kátia Drummond
Salvador, Bahia. Brasil.


Arte: Hochachka

Um comentário:

Anônimo disse...

Os teus poemas "cafuzos, mamelucos, mulatos, caboclos" (que coisa linda!!!), gostam de sentir que saem das linhas da mão de uma Mainha que os afaga tão bem...
Mas não te enganes... estes teus filhotes ganham o mundo, e encherão de encanto gerações famintas de cultura, esta insaciável fome boa.

Um abraço.

Katyuscia.

...

«Poema às Palavras»

Tem uns homens por aí
com medo das palavras.

Tem uns poetas por aí
segregacionistas.

Tem preconceitos contra
as palavras:
esta não serve - é mestiça,
esta também não - é muito comum,
é do povo, não é importante,
e aquela também - não tem educação
fala muito alto, é palavrão.

Tem poeta por aí cochichando
como gente muito fina
de salão,
falando entre-dentes
perpetrando futilidades
e maldades, como comadres.

Tem uns homens por aí
tratando as palavras pela cor
de sua pele:
não cruzam com as palavras, negras
amarelas, mulatas,
só fazem poemas brancos, poemas
puros, poemas arianos, poemas de raça.

Que se danem! Faço filhos
com todas as palavras
basta que elas se entreguem, e me amem
e saiam com o meu verso, à rua
para cantar.

(Poema de José Guilherme de Araujo Jorge, in "O Poder da Flor". 1969)