quarta-feira, 13 de junho de 2007
ANJO À-TOA
Não busque no meu corpo a carne, a chama.
Nem veja no meu rosto uma consagração qualquer.
Eu sei que sou um anjo à-toa nesse mundo.
Um tiro certo, um poço fundo,
um precipício aberto, uma mulher.
O que é que eu faço dessa sensação estranha,
que me persegue e me apanha,
e me vira pelo avesso,
que não tem fim nem começo
e me faz o que bem quer?
O que é que eu faço dessa sensação perdida,
desvairada, enlouquecida,
displicente, amargurada,
se o meu sorriso anda tão comprometido
e se a gente passa e pensa,
sem recompensa, sem nada?
Eu quero ser seu anjo,
à-toa e vagabundo,
seu mistério o mais profundo
e você vem quando quiser.
Se você quer morrer de amor,
morrer de vício,
eu quero ser seu precipício,
seu amor, sua mulher.
• Poema: Kátia Drummond
• Música: Tamir Drummond
• Arranjo, voz e violão: Sávio Drummond
• Foto: Damir Frkovic
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quinta-feira, 7 de junho de 2007
LISBOA
[Para Fernando Pessoa, [e]terno Mestre. Em memória.]
Aqui, por onde sangra o Tejo,
a melancolia é mesmo tanta,
e a nostalgia emerge tão concreta,
que nem o rebuliço ruidoso dos jovens,
nem o ânimo incontido dos artistas,
sequer a lucidez profana dos poetas,
alcançam entender-te, transformar-te.
Aqui, por onde floram as primaveras
e brotam alegóricos cravos rubros,
as pessoas revelam-se tão incrédulas
que parecem viver a esperar fantasmas.
Taciturnas almas penadas…
Perpetuação dos tempos findos!
Prantos de pedras tragados pelo tempo.
Hoje... esculturas esculpidas no cais.
Aqui, por onde passam esquifes,
e as esperanças desvanecem,
eu, apenas eu, abraso-te, animo-te.
Posto que trago em mim
o espírito libertário das gaivotas.
E o coração a desatar-te amarras
e a purgar-te o inebriante banzo.
Poemas viscerais, guardados em garrafas,
submersos nas lágrimas salgadas do teu mar.
Kátia Drummond
Em primavera portuguesa. Sintra, 2007.
FOTO: Alfama, Lisboa. Por Wolfgang Kaehler.
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