sábado, 3 de março de 2007


AVE PEREGRINA

Perdi toda a beleza da poesia.
Perdi a luz, o sonho, a fantasia.
Perdi o encanto que habitava em mim.
E tudo mais que eu vislumbrava, enfim.
Ao compreender aqui, agora, além,
que não sou nada. Que não sou ninguém.
Que a geografia é um mero conceito.
É a maldição, a praga, o bem desfeito,
que estraçalha a terra em mil pedaços.
Que amarra a gente em infinitos laços,
e que esses laços transformam-se em nós,
dos quais, virei escrava, algoz, refém.
Sem casa, sem família, sem ninguém.
Um espécie de ave peregrina,
que rotineiramente cumpre a sina.
Que migra do inverno pro verão,
como se a vida fosse uma estação
que espera o passageiro a cada trem,
indiferente a esse vai-e-vem.

Pária sem pátria, vivo em terra alheia.
Aranha sem tecer a própria teia.
Videira sem frutificar na vinha,
em terra que não foi nem será minha.

Quero ficar… mas tenho que partir.
Quero voltar… não tenho pra onde ir.

Camões, abre-me a porta do teu verso,
pois Deus me expulsou do Universo!


Katia Drummond
Em outono português. Sintra, 2005.

Um comentário:

Sombras Somente disse...

Maravilhosa composição, minha amiga Kátia.
Como tudo que vc produz.
Até a escolha da foto tem mesmo grande significado revelador do seu ser.
Apenas uma inverdade pude encontrar.
"Perdi toda a beleza da poesia."
Não posso crer nisso ao ler o poema que esse verso contém.
E certamente esse seu espírito superior jamais perderá nem beleza, nem poesia.