sábado, 28 de outubro de 2006


FADO BRASILEIRO

Abre-me os braços, oh bela Lisboa!
Aqui estou. Tracei-te em meu destino.
Corpo febril, ardendo em pleno cio,
quero saber-te a mãe, nunca o algoz.
Faz tempo que te corro como um rio
que busca avidamente pela foz.

Inda lembras Lisboa, quando um dia
chegastes, poderosa, em meu Brasil?
E eu, na mata virgem, nem sabia
que tu havias meu povo domado.
Escrava do teu trono, fui servil.
Ama-de-leite de todo um reinado.

Trago comigo toda a minha herança.
Modas de amor, cantigas de ninar.
Trago o chorinho e as rodas de criança.
Xaxado, marcha-rancho e boi-bumbá.
E trago da viola, o desafio
de escolher-te cheia de esperança.

Trago meu sol, para aquecer-te o frio.
Minha Amazônia, fértil e verdejante.
Meu oceano atlântico do sul.
Trago-te um rio de água borbulhante.
Os cântaros da chuva em pleno estio.
E pássaros cantando em céu azul.

E mais ainda, trago-te as rendas
das mulheres rendeiras do Sertão.
Da feira popular, o sanfoneiro.
Da meninas bonitas, trago prendas.
Trago o Cordel e o galo madrugueiro.
E as fogueiras do meu São João.

Então não vês, Lisboa, que és minha?
Não vês que o Tejo corre em minha veia,
e que o meu Pelourinho é a tua Alfama?
Quero-te minha amante, ao meu jeito.
E apesar da "Carta do Caminha",
guardo-te inteira dentro do meu peito.

Abre-me os braços, o bela Cidade!
Que eu trago o brado livre do poeta,
desenterrado dos "navios negreiros".
O grito do "quilombo" em liberdade.
Eu trago a dor dos fados brasileiros.
E um coração morrendo de saudade.


Kátia Drummond.
Em primavera portuguesa. Vila de Sintra.